Luanda já foi um dia uma cidade agradável, quando sua população ainda era próxima do que tinha sido construída para abrigar cerca de 500 mil pessoas. Hoje, com 6 milhões e ainda a mesma infra-estrutura, praticamente sem manutenção há 30 anos, é o mais completo e absoluto caos.
Como cheguei num sábado, dia de torpor coletivo para os angolanos, tive que esperar até segunda-feira para ter a real dimensão da confusão. Das calçadas, transbordando de veículos estacionados, jorram água e esgoto, enquanto os carros se derramam para a rua em fila dupla, tripla, quádrupla ou em qualquer buraco onde seu motorista julgue poder encaixá-lo. Como boa parte das esburacadas vias de circulação, a maioria sem ver asfalto novo há algumas décadas, está ocupada por carros parados, normalmente sobram apenas duas faixas para o trânsito fluir, quando este não fica confinado a apenas uma. Apesar disso, angolano que pode prefere dirigir a ter que encarar uma viagem de candongueiro, que não é transporte para aqueles de coração fraco. Com a economia explodindo, a cada mês são cerca de 800 novos carros a mais nas ruas disputando os escassos espaços disponíveis. Uma volta no quarteirão pode facilmente levar mais de uma hora. Talvez só o trânsito de Luanda seja capaz de fazer um paulista sentir saudades de um entardecer de chuva em uma das marginais da cidade em véspera de feriado. Infelizmente, sou carioca.
Uma boa maneira de compreender o momento que Angola vive é observar o trânsito em Luanda. Seja pelas avenidas Friederich Engels, Ho Chi Min ou Che Guevara, a filosofia reinante superou há muito o dogma marxista que deu origem à nação. Não há o menor vestígio de planejamento central ou respeito a qualquer regra. Os sinais de trânsito são poucos e raramente funcionam. Os obstáculos à circulação são inúmeros e variados, entre eles uma enorme quantidade de obras espalhadas caoticamente que tentam, tardiamente, melhorar a infra-estrutura da cidade enquanto ela cresce de forma alucinada. O estado, representado pelos inúmeros guardas de uniforme azul-escuro que normalmente olham indiferentes o caos, parece mais preocupado em predar o bolso dos motoristas atrás de uma "gasosa" do que em dar um mínimo de ordem à situação. A franqueza da abordagem dos representantes da lei chega a surpreender.
Numa tarde, já estava há horas parado no trânsito, debaixo de um calor sufocante, pacientemente respeitando minha faixa enquanto carros ao meu redor levantavam nuvens de poeira tentando avançar pelas calçadas, pela contramão, pelo acostamento da pista oposta e por onde mais houvesse algum espaço onde fosse possível se mover para a frente, quando um guarda resolveu me parar. Eu era presa fácil, devo admitir. Como a maioria dos estrangeiros, sobretudo a serviço de empresas internacionais, só se aventura pelas ruas em carros com motorista, algumas vezes ainda escoltados por seguranças armados, um branco sozinho num carro, mesmo uma picape detonada como a que dirigia, emprestada por um amigo, atrai um grau elevado de atenção.
Continua...
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