Tuesday, November 10, 2009

Odisseia de Um Brazuca em Luanda - Parte III




Para sorte de Angola, a China vivia o auge do explosivo crescimento de sua economia e precisava de todo o petróleo que pudesse conseguir para manter a máquina a todo vapor. E petróleo Angola tem de sobra. Em troca de acesso irrestrito a essas reservas, os chineses ofereceram ao governo angolano um pacote de reconstrução de alguns bilhões de dólares. Hoje, Angola é o maior fornecedor de petróleo da China.

O exato montante da ajuda chinesa, como qualquer número em Angola, é difícil de descobrir. Oficialmente falam-se em US$ 5 bilhões, mas em círculos diplomáticos comenta-se sobre mais outros nove bilhões extra-oficiais.

Parte da ajuda financeira está sendo fornecida diretamente em serviços. São trabalhadores chineses que estão reconstruindo boa porção da infra-estrutura do país. A velocidade do trabalho deles é impressionante. Os canteiros de obras parecem funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana. Em Luanda, é inevitável esbarrar num grupo de chineses trabalhando em algum buraco no chão. A qualidade do trabalho, no entanto, não tem impressionado tanto.

Num domingo de março fui ao principal estádio esportivo de Luanda, o da Cidadela, recém-saído de uma reforma de milhões de dólares feita pelos chineses, para assistir à final do campeonato angolano de basquete. A primeira ida a uma Copa do Mundo da seleção nacional de futebol, na França, tornou o esporte imensamente popular no país, mas é o basquete que realmente mexe com a paixão dos torcedores locais. E o jogo era o maior clássico angolano: Petros contra o 1º de Agosto, clubes que praticamente dividem entre si a seleção local de basquete, considerada uma das dez melhores do mundo.

O ambiente parecia de Fla x Flu no Maracanã, e os times não decepcionavam suas torcidas. O ritmo da partida era de tirar o fôlego, com o Petros dominando o placar desde o início. No último quarto, o 1º de Agosto começou a tirar a diferença, que já tinha chegado a 18 pontos e, faltando quatro minutos para o final, conseguiram uma cobrança de lance livre que finalmente poderia colocá-los em vantagem. Nesse exato momento um forte temporal desabou sobre a cidade. A primeira cobrança empatou o jogo. A segunda não chegou a ser cobrada. Uma enorme goteira despejou uma forte cachoeira exatamente sobre a cesta onde o arremesso seria feito, alagando a quadra e interrompendo o jogo.

Saindo do estádio, tentando arrumar um caminho seco até o carro em meio ao enorme lago em que o estacionamento se transformou, pude ouvir uns torcedores comentando: "O melhor fiscal de obras é a chuva".

Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas pode possuir as maiores reservas do continente, caso se confirmem as suspeitas de que uma camada de pré-sal nas águas profundas ao longo de sua costa norte abrigue um reservatório semelhante ao gigante campo de Tupi, que os brasileiros acabam de descobrir na Bacia de Santos.

No mundo do petróleo gosta-se de dizer que Angola não é uma Nigéria, hoje o maior produtor africano e símbolo maior da chamada maldição do petróleo, fenômeno em que as enormes riquezas extraídas do subsolo não se traduzem em uma melhora na vida das populações dos países produtores, apenas na vida de seus líderes.

O principal motivo para a distinção é a Sonangol, empresa estatal que controla o setor no país. Ao contrário de seu equivalente nigeriano, e em contraste com o resto da máquina pública, a petrolífera angolana funciona como uma agressiva empresa global, competitiva e em plena expansão internacional, a ponto de suas investidas pelo setor bancário português já estarem causando preocupação ao governo do ex-poder colonial. Seus técnicos são reconhecidos como extremamente competentes na negociação dos contratos com as empresas multinacionais que exploram os campos de óleo e gás angolanos, e a empresa a cada dia se aventura por mais setores da economia local, não se limitando apenas ao petróleo e seus derivados.

No quesito corrupção, angola e nigéria se igualam, dividindo um vergonhoso 147º lugar (de um total de 179) no ranking dos países menos corruptos do mundo compilado pela organização Transparência Internacional. Mas enquanto na Nigéria o destino nebuloso dos rendimentos do petróleo está levando o país a uma perigosa instabilidade, com a ação de grupos armados na principal região produtora de petróleo freqüentemente afetando a produção, que diminui ano a ano, a ponto de levar algumas empresas produtoras estrangeiras a repensar seus investimentos no país, Angola vive um período de incrível estabilidade política.





Continua... 



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