A situação é tão absurda que demoro a entendê-la. Por precaução, não saio do carro nem desligo o motor, discretamente engrenando a marcha a ré para o caso de necessidade de uma saída rápida. E, aos poucos, a ficha começa a cair.
Ao ultrapassar o senhor em uma curva larga e de trilho indefinido, em meio a inúmeros buracos e de forma um pouco ousada - coisa absolutamente normal no trânsito feroz de Luanda, onde aproveitar uma oportunidade pode significar uma diferença de horas na duração da viagem - na estrada sem asfalto e encharcada pela chuva que vai do Roque Santeiro ao centro da cidade, passei numa poça de lama, que, acidentalmente, respingou no carro do senhor da imigração. Como ele viajava, apesar da chuva, com todas as janelas abertas, a lama sujou sua camisa. Indignado, ele partiu de forma suicida em minha perseguição, saltando sobre crateras que poderiam facilmente destruir seu veículo, e nisso acabou fazendo o mesmo que fiz com ele com os passageiros do candongueiro, que também viajavam de janela aberta enquanto atravessavam o mar de lama.
Todos queriam que eu desse dinheiro para comprarem sabão em pó, evocando a popular marca, e lavarem suas roupas, apesar de eu haver sujado apenas o senhor. Minha primeira reação foi pensar em dizer que no meu país quem não quer se sujar enquanto trafega por uma rua coberta de lama fecha a janela, mas o humor dos meus interlocutores não parecia dos melhores. Acabei apenas me desculpando, educadamente, com o senhor, mas me recusando a dar qualquer dinheiro. Para o pessoal do candongueiro informei que o problema deles não era comigo, e sim com o guarda da imigração que os encheu de lama. O senhor se resignou e pediu, então, que eu o acompanhasse até seu serviço para explicar a seu chefe que o fato de ele chegar com o uniforme sujo no trabalho era culpa minha e não resultado de seu desleixo. Mas o povo do candongueiro queria confusão.
Em luanda tem que se estar preparado pra tudo. A cidade está no coração da transformação radical pela qual Angola está passando, e o ritmo dos acontecimentos desnorteia qualquer um, sobretudo os que não estão se beneficiando do processo.
Desde 2005, a economia angolana é a que mais cresce na África, a uma média de impressionantes 17% ao ano. Para este ano a estimativa é de 23%, número de fazer inveja à China em seus melhores momentos. Luanda, a capital, é hoje uma das cidades mais caras do mundo e sua paisagem está sendo drasticamente redefinida por um boom imobiliário. Conseguir lugar em qualquer vôo internacional em direção ao país só com uma boa antecedência. Os melhores hotéis só têm quartos disponíveis para o ano que vem.
Isso em uma nação que até 1990 era dominada por um sistema comunista ortodoxo e que desde sua fundação, em 1975, até 2002 viveu uma permanentemente guerra civil, que matou cerca de 1,5 milhão de pessoas, expulsou de suas casas um terço da população, hoje girando em torno de 15 milhões de habitantes, e deixou o maior número de minas terrestres que o mundo já utilizou num único conflito espalhadas pelo interior do país.
Entender exatamente o que se passa em Angola é tarefa bastante difícil. A primeira dificuldade é que há muito poucos números disponíveis. A cultura de poder em Angola ainda é a de guerra, onde qualquer informação pode servir de arma ao inimigo - e qualquer um fora de suas fileiras é um potencial inimigo. Autoridades raramente falam com jornalistas e as contas públicas são tratadas como segredo de estado, para desespero de organizações internacionais como o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional.
Continua....
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