Monday, November 9, 2009

Odisseia de Um Brazuca em Luanda - Parte I

Artigo da autoria de André Vieira, um turista brasileiro que viveu um pouco do dia a dia de Luanda e que contado aqui até parece um filme de Hollywood.


Nova Angola

Por André Vieira

Depois de séculos de exploração colonialista e décadas de guerra civil, o país comunista tornou-se capitalista sem mudar de governo. Segundo maior produtor de petróleo da África, é a economia que mais cresce no continente. Mas em Luanda, uma das capitais mais caras do mundo, o caos ainda reina

 No fim de uma manhã chuvosa de sábado, dirijo a detonada picape de um amigo voltando do Roque Santeiro, o mais importante mercado público de Luanda, capital de Angola. De repente, um carro pequeno emparelha contra o meu, querendo me empurrar para fora da pista. Olho meio estarrecido para o louco. Seria mais fácil eu mandá-lo para o alto de um poste com uma fechada do que ele amassar meu pára-lama. Mas, em vez de gritar impropérios, ele gentilmente me pede para encostar o carro e conversar. Isso, aliado à minha incorrigível curiosidade, me desarma. Acabo parando.

Mal encosto o carro para saber o que queria o senhor camicase e um candongueiro, as vans azuis e brancas que são o transporte público de Luanda, também enlouquecido, pára atravessado à minha frente e seus ocupantes saem gritando comigo e com o senhor do carro que me forçou a encostar. "Ô branco, vai dar dinheiro pra gente comprar Omo, Omo!", grita de forma agressiva o mais exaltado passageiro, dirigindo toda sua fúria apenas contra mim.

Enquanto isso, o motorista do carro que me encostara, um senhor de seus 50 anos, ainda mantendo a educação, me mostra com a cara mais desconsolada do que irritada a camisa branca de seu uniforme de guarda de imigração respingada de lama. "Como é que vou trabalhar assim?", pergunta.

A situação é tão absurda que demoro a entendê-la. Por precaução, não saio do carro nem desligo o motor, discretamente engrenando a marcha a ré para o caso de necessidade de uma saída rápida. E, aos poucos, a ficha começa a cair.

Ao ultrapassar o senhor em uma curva larga e de trilho indefinido, em meio a inúmeros buracos e de forma um pouco ousada - coisa absolutamente normal no trânsito feroz de Luanda, onde aproveitar uma oportunidade pode significar uma diferença de horas na duração da viagem - na estrada sem asfalto e encharcada pela chuva que vai do Roque Santeiro ao centro da cidade, passei numa poça de lama, que, acidentalmente, respingou no carro do senhor da imigração. Como ele viajava, apesar da chuva, com todas as janelas abertas, a lama sujou sua camisa. Indignado, ele partiu de forma suicida em minha perseguição, saltando sobre crateras que poderiam facilmente destruir seu veículo, e nisso acabou fazendo o mesmo que fiz com ele com os passageiros do candongueiro, que também viajavam de janela aberta enquanto atravessavam o mar de lama.

Todos queriam que eu desse dinheiro para comprarem sabão em pó, evocando a popular marca, e lavarem suas roupas, apesar de eu haver sujado apenas o senhor. Minha primeira reação foi pensar em dizer que no meu país quem não quer se sujar enquanto trafega por uma rua coberta de lama fecha a janela, mas o humor dos meus interlocutores não parecia dos melhores. Acabei apenas me desculpando, educadamente, com o senhor, mas me recusando a dar qualquer dinheiro. Para o pessoal do candongueiro informei que o problema deles não era comigo, e sim com o guarda da imigração que os encheu de lama. O senhor se resignou e pediu, então, que eu o acompanhasse até seu serviço para explicar a seu chefe que o fato de ele chegar com o uniforme sujo no trabalho era culpa minha e não resultado de seu desleixo. Mas o povo do candongueiro queria confusão.

Em luanda tem que se estar preparado pra tudo. A cidade está no coração da transformação radical pela qual Angola está passando, e o ritmo dos acontecimentos desnorteia qualquer um, sobretudo os que não estão se beneficiando do processo.

Desde 2005, a economia angolana é a que mais cresce na África, a uma média de impressionantes 17% ao ano. Para este ano a estimativa é de 23%, número de fazer inveja à China em seus melhores momentos. Luanda, a capital, é hoje uma das cidades mais caras do mundo e sua paisagem está sendo drasticamente redefinida por um boom imobiliário. Conseguir lugar em qualquer vôo internacional em direção ao país só com uma boa antecedência. Os melhores hotéis só têm quartos disponíveis para o ano que vem.

Isso em uma nação que até 1990 era dominada por um sistema comunista ortodoxo e que desde sua fundação, em 1975, até 2002 viveu uma permanentemente guerra civil, que matou cerca de 1,5 milhão de pessoas, expulsou de suas casas um terço da população, hoje girando em torno de 15 milhões de habitantes, e deixou o maior número de minas terrestres que o mundo já utilizou num único conflito espalhadas pelo interior do país.


Continua....

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